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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Gostaríamos de Informá-lo de Que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias

LIVRO INDICADO PELO PROFESSOR RUI DÉCIO MARTINS

GENOCÍDIO EM RUANDA
Nelson Ascher

"‘Gostaríamos de informá-lo...’", copyright Folha de S. Paulo, 6/01//01

"O livro do jornalista e escritor norte-americano Philip Gourevitch é, até onde sei, o primeiro publicado no Brasil sobre os acontecimentos de meados dos anos 90 em Ruanda.

Muitos são os nomes aplicáveis ao que lá ocorreu pouco mais de seis anos atrás, mas cada vez mais pessoas julgam que o nome adequado é uma palavra que, com seriedade, tem sido usada para designar no máximo três outros acontecimentos, todos do século 20: o extermínio dos judeus europeus pelos alemães e seus aliados na primeira metade da década de 40; a deportação e massacre dos armênios pelos turcos durante a Primeira Guerra; e a dizimação de parte da população do Camboja pelo seu próprio governo, o Khmer Vermelho, nos anos 70. A palavra é ‘genocídio’.



Se o genocídio dos armênios ainda é negado pelo governo turco e não foi reconhecido por vários países; se, depois de um quarto de século, o cambojano segue mal estudado; se mesmo o dos judeus esperou ao menos uma década e meia pelas primeiras investigações aprofundadas; o de Ruanda começou a ser reconhecido antes mesmo de seu fim e já conta com um bibliografia respeitável, na qual ‘Gostaríamos de Informá-lo de Que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias’ ocupa um lugar privilegiado.

Ruanda é um país pequeno e pobre, na região dos grandes lagos, na África Centro-Oriental. Sua população se divide entre uma maioria hutu e uma minoria tutsi. Exatamente o que é que diferenciava entre si esses grupos, que falavam a mesma língua e se assemelhavam fisicamente um ao outro, nunca ficou muito claro.

Costumava se falar em etnias, raças ou talvez mesmo castas diversas. Esses conceitos, contudo, não estão entre os mais precisos. Tradicionalmente os hutus dedicavam-se à agricultura, enquanto os tutsis eram pastores e, na Ruanda pré-colonial, formavam a aristocracia. Essas diferenças (históricas, bem entendido) nunca foram absolutas: hutus podiam se tornar tutsis e vice-versa. No começo da década que acaba de passar, cerca de 85% dos ruandenses eram hutus e 14%, tutsis. O 1% restante era a população twa, ou seja, os pigmeus, habitantes originais da região; eles, porém, não fazem parte dessa história.

Em meados de 1994, incitada por seus políticos, jornalistas, militares, paramilitares etc., uma parcela substancial da população hutu se voltou contra seus compatriotas e vizinhos tutsis e os massacrou sistematicamente durante mais de três meses. Contavam-se também entre as vítimas muitos hutus moderados, que eram contra o massacre. O número total de mortos varia, de acordo com a fonte, entre 200 mil e 1 milhão, mas está provavelmente mais próximo da cifra maior -que, em Ruanda, equivalia a 10% da população.

O que interrompeu a matança antes que começassem a faltar vítimas foi uma virada espetacular: a Frente Patriótica Ruandense, um movimento guerrilheiro cujos membros eram sobretudo exilados tutsis que viviam em Uganda e outros países vizinhos, derrotou os hutus e obrigou o governo ruandense a abandonar o país.

Essas lideranças, por sua vez, se fizeram acompanhar em sua fuga (rumo principalmente à República Popular do Congo) de mais de 2 milhões de hutus, parte encorajada ao recuo estratégico que precede a revanche, parte aterrorizada pela perspectiva da vingança dos tutsis vitoriosos e boa parte forçada a acompanhar gente que argumentava com armas.

Uma narrativa esquemática assim não pode, é claro, dar nem sequer uma idéia vaga do que ocorreu. Fatos e atores relevantes ficam necessariamente de fora: os massacres precedentes, a propaganda assassina da rádio oficiosa, os dilemas do chefe de Estado, Juvenal Habyarimana, as conspirações de sua mulher, Agathe, o papel da ONU, dos EUA e, sobretudo, da França. Um mínimo de compreensão desses eventos requereria também uma visita ao passado colonial (os colonizadores foram os alemães nos anos 1890 e, a partir de 1916, os belgas).

Seria também o caso de esmiuçar as explicações raciais e racistas que os europeus, além de aplicar, exportaram para a África, extraídas não da observação direta, mas de leituras peculiares de histórias bíblicas. Foram, afinal, os europeus que postularam que os hutus eram um povo banto incapaz de criar cultura própria e, por isso, deviam o que tinham aos tutsis, (segundo eles) superiores, pois de origem nilótica. Foram igualmente os europeus que, emitindo carteiras de identidade com a ‘etnia’ do portador, congelaram definições anteriormente fluidas.

O mais difícil, porém, é humanizar uma tragédia cuja própria magnitude tende a assimilá-la às catástrofes naturais: um público que se comove com a morte de meia dúzia de pessoas num desastre rodoviário fica indiferente aos milhares de vítimas de um terremoto. Se os mortos são centenas de milhares, até a intencionalidade homicida corre o risco de, sendo demasiado grande, tornar-se paradoxalmente invisível.

Se há, portanto, um trabalho que consiste em averiguar cada fato, investigar as causas etc., existe um outro que é o de tornar visível e palpável os acontecimentos; e o livro de Gourevitch é um exemplo excelente desse segundo tipo de trabalho. Há nele bastante pesquisa, levantamento de fatos etc., mas seu forte é acompanhar as trajetórias de alguns poucos indivíduos por meio do evento maior. Essas trajetórias, bem escolhidas pelo autor e narradas com contundência, acabam de certa forma se transformando nas coordenadas de um mapa capaz de guiar o leitor pelos descaminhos de uma imensa e complexa história formada por milhares ou milhões de histórias menores que se entrecruzam e se emaranham. (Gostaríamos de Informá-lo de Que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias, Philip Gourevitch, Companhia das Letras, R$ 34, 424 págs.)


FONTE: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/atualiza/artigos/al150120014.htm

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